quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Os degraus banhados

Os degraus banhados pela garoa tiravam de Graciela a confiança infantil da subida de supetão. Seios flácidos, cabelos grisalhos e ressequidos, era a filha mais velha de Matheus, e recuou um passo. A luz solitária que mal iluminava a escada também lhe extorquia cuidados, apesar da atmosfera serena e trivial na qual sentia a casa, onde ficou para tia. O pai a fechara em cuidados e, ela, nunca abrira a porta da rua. As narinas já se dilatavam, com um estertor de desejos inconfessos. O moço do gás, o encanador de ombros largos, padeiro gentil, carteiro triunfal, cunhados indiferentes. Todos os homens que lhe percorreram os estremecimentos noturnos, agora eram lembranças subjugadas pelo tenente amigo, que um dia lá se hospedara. Assaz apetitoso, chegou a pensar culpada, como no erro da receita dos sequilhos para o casamento da última irmã. Seus dedos acariciavam a consciência, quando o pé direito pisou o primeiro degrau. No segundo, Graciela foi ao chão, e não havia três cavalheiros de chapéu na mão para acudi-la. Estendida no silêncio, retirou-se do tédio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário