sábado, 30 de junho de 2012

Pausa tácita

- Sem dúvida, é um caso típico de transtorno obsessivo compulsivo. Ao dignóstico de meu veterinário, decidi dar uma pausa na postagem diária de Micro Crônicas Cretinas, para me dedicar, neste mês de julho, às touradas.
Confesso que ainda não sei bem qual será minha atuação nessa história espanhola: se o próprio touro ou o toureiro. Mas prometo escarafunchar minhas raízes, entupindo-me de tapas catalãs, ao norte, e andaluzes, ao sul, na busca insana da paella perdida.
Com a modéstia de um Picasso ou Salvador Dali, sei da solidão que causarei a você, estimado e querido leitor, mas prometo retomar meu T.O.C. em agosto próximo... Até lá, meus amigos, listados aqui ao lado, podem lhes proporcionar curiosas leituras. Boas férias para você também.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Naquele turbilhão

Naquele turbilhão de volúpia havia um quê de velhacaria. A gringa ufanava-se do Brasil. Sem deixar dúvidas sobre suas intenções, chegava a propor uma viagem a sós. Justo ela, toda volumosamente correta, em claro contraste ao traste do Guto, desproporcional até nas rechonchudas mãos. Naquela certeza um tanto tonta, ele multiplicava projetos e peripécias lascivas. Ela assentia. O descuido de Guto foi clicar no botão errado, Encheu de vírus o seu computador...

quarta-feira, 27 de junho de 2012

De barco

De barco a remo tiranizava a mansidão especular daquele lago de águas paradas. Tudo ali, no fundo do pequeno sítio em que morava, onde nem havia tanta vastidão. As bordoadas elevavam gotas nas pontas das pás. Cada uma delas produzia círculos que só paravam nas bordas, para descompor a simetria pelo rebojo. Délio dera um mundo, todo pronto e civilizado, por aquilo. As poucas rendas da aposentadoria e aluguéis mínimos lhe bastavam para o esforço gradual dos músculos. Às vezes ancorava e lia um livro, em estado de ilha. Outras vezes, apenas observava os múltiplos movimentos aquáticos, sem ver ou ouvir o tempo passar. Quem o olhasse pensaria que aquilo era óbvio demais...

terça-feira, 26 de junho de 2012

A mais indispensável

A mais indispensável seguramente não era, mas fazia certa falta. Dizer que a beleza lhe fora um dom inato seria também certo exagero. Na verdade, faltava. Digamos, inexistia. Nem tanto quanto a audição, notadamente no ouvido esquerdo. De certa maneira compensada pelo vesgo olho, que sempre se atrevia naquela direção, assim, sem saber.  Não fosse a histeria notória e até se justificaria sua constante exaltação, manifestada aos gritinhos, um tanto desafinados. Mas temos que reconhecer sua lucidez. Apenas nos momentos de fome, é verdade... na digestão, passava.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Suportava

Suportava a responsabilidade. Assim não levava muito a sério nem a si, nem nada do que fazia. Por suposto, Tiago jamais se preocupou ou sequer pensou no sentido ou objetivo de sua existência. Tinha, lá, seus esparsos ideais, que lhe orientavam as ações ou determinavam seus juízos. Mesmo a fortuna não via senão como uma finalidade irrisória. Achar o belo nas coisas e a felicidade, ainda que às gotas, sim, faziam parte de seus propósitos. Mas eram tão secretos, que às vezes pareciam egoístas. Depois de tanta comunicação obrigatória com as gentes, tornou-se definitivamente um apurado esboço de saudável solidão.

domingo, 24 de junho de 2012

Furtar a eternidade

Furtar a eternidade era o que sonhava. Seria mesmo um roubo, caso dispusesse de armas suficientemente eficazes. Viver? Já vivia de mazelas, apesar dessa expectativa frustrada, maior que o próprio pendor à malandragem. Não havia nenhuma dúvida que a pasma mãe era mesmo Luzicleide: mulher, lá, de seus muitos homens, quase todos bandidos com mais ou menos renome. Extrair, entretanto, o DNA do pai era humanamente impossível. Foi esse, aliás, o motivo pelo qual Tico jamais descobriu se era filho de Deus.

sábado, 23 de junho de 2012

Era uns aras

Era uns aras, somente sôs, ufanos uais, lentos ponteares aqui e alhures, num intimista São João das barrancas lisas à jusante da nascente de água doce, inclemente de lambaris e bagres, nas proximidades aqui de casa. Assim, causos compridos, ao bel prazo das imaginações sem pressa. O nariz de tudo cheirava um quentão com pouco gengibre, de safra rala e cachaça farta. Gosto de costume. Mania de entrar com o pé direito, mesmo com a cabeça às tontas. Na roda do fogo, a batata-doce é fina flor, o sensível dos pelos zela pelo milagre do aquecimento. E que desiquilíbrio de santo! Alegra a gente por dentro, e nem repara esse mundaréu de cores que provoca nos enfeites e nas roupas. Acha que vê os grisalhos nos cabelos?

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Sucede

Sucede, Isabela, que andas horrível. Se fores ao fim do poço, não me faças braço para te levantar ou sorver-te as águas. Beijei tua mão que me condenou e trataste do amor com escárnio. Por que me dizes chorando que te arrependeste das iras? Agora o que queres dar são ais? Desse antes de descer para que eu cresse... Disseste de mim e a mim perjuras e todas aquelas mazelas ausentes de zelo. Pois que seja. Procures outro infeliz que para que te aprecie os decotes. Na minha cantiga já não cabes.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Telefone

Telefone! Essa hora! Na cama, eu já embaralhava as linhas das páginas e criava outras histórias com as palavras avulsas, transformando em onírico o livro físico. Minha mulher, ressonando, abriu os olhos com a visão do desapontamento. “Algum mala”, disse ela, “você atende?”. Pensei pelo braço, puxei do gancho. Mais pelo silêncio da campainha que pela curiosidade. “Alô...”. E, não, o Valdir não estava, sequer morava nos nossos sonhos.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Desligada

Desligada há doze meses, a televisão jamais deixou de exibir os filmes cults e trashs aos quais tanto esteve habituada. Sem cortes, o cérebro de Heitor produzia na velha tela plana inúmeras montagens irregulares, perseguições capengas, traições, contra-planos ou trilhas capazes de lhe elevar a tensão para além daquela solidão. Sem risos, comentários ou pipocas, seu remoto controle era agora um drama mexicano descontrolado, à velocidade das cenas lentas iranianas ou futilidades americanas. Foi no “The End” de Casablanca que Marina se levantou, e nunca mais sentou naquele sofá carmim.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Pastorear ovelhas

Pastorear ovelhas era o velho sonho de Abel. Muitos filmes na cabeça, com aquelas cenas bucólicas. Treinou berros e mugidos, assobios e onomatopeias outras. O principal traidor de seu propósito era o ritmo urbano. Muito asfalto e pouco capim; a pesada mochila ao invés do cajado. Abel mal balizava o rumo dos dois irmãos mais novos, mas os mantinha numa relação de aboio, em constante tentativa de conduzi-los em trilha, enfileirados, até o quarto onde dormiam todos. Fez as primas lhe produzirem leite, arrancou dos parentes cobertores de lã, colocou vizinhos como seguidores. Abriu, enfim, uma igreja básica, com várias filiais, que pastoreia pessoalmente das montanhas suíças, pela internet.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Desmaiava

Desmaiava de maneira mística. Até poderia parecer simuladas engenharias ou outras incorporações, mas era tão real quanto uma morte súbita. Pluft, lá se estatelava, Esmeralda, verde de palidez. A fonte da coisa dizia que era a tia, falecida já há uns vinte anos. O diagnóstico médico deu em branco. O inconfessável estado clínico ou cínico entrava em metástase. Deu para levitar os braços. Ou pelo menos era o que dizia, enquanto os erguia aparentemente sem vontade. Sarou como começou! Um mistério...

domingo, 17 de junho de 2012

Deitado levantou

Deitado levantou a voz: - Outrora as damas traziam uma limonada para um pai no seu descanso! O afilhado o entreolhou. As duas filhas riram entre si, galopantes. A urgência para o fim daquele ócio paterno era prioridade da casa, havia anos. A mãe, já morta, deixara a exploração para subir ao céu. Elas e o afilhado produziam e vendiam as trufas de chocolate, capazes de lhes assegurar um naco de sobrevivência e miséria. O menino pulou a cerca e furtou o limoeiro da vizinha. A mais velha sacou o açúcar em sachê, surrupiado da cafeteria. A mais nova providenciou a água da bica, não muito gelada, porque fazia calor. Nenhum dos três assumiu a cicuta, mas o médico garantiu que aquela dor de barriga passageira que José sentiu fora, sem dúvida, provocada por algum veneno. Indócil, ele jamais tomou limonadas, nos quase cinquenta anos que lhe restaram depois daquela tarde.

sábado, 16 de junho de 2012

A esposa, o violão

A esposa, o violão e a alma foram colocados no sofá. Juntou pequenas anotações de mau gosto e um anel de bacharel; coisas que levava a sério. Cantou tão casualmente a capella uns lararás que compôs, nesse descomposto compromisso, que nem o fiel cachorro Coreolano ousou erguer as orelhas aguçadas. Como se a esposa e o violão pudessem ouvi-lo, comunicou que deixaria a vida naquela noite. Acabado pela tensão, começaria a atuar no plano dos descrentes, que nem fantasias têm mais, nem pequenos aborrecimentos, salientou ainda, quase inaudível, à alma. Que, ao menos ao que parece, foi a única a compreendê-lo.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Coxeava a perna

Coxeava a perna esquerda, mas com a direita era capaz de vencer maratonas. Aposentado com bela renda, Onório nem tinha tino para entregador de pizzas, mas cismou que seria no cumprimento dessa tarefa que lhe surgiria a alma gêmea. Haveria de ser alguém de gosto tradicional. A cada calabresa solicitada, margherita, quatro queijos ou portuguesa, Onório entrava em êxtase. Movimento fraco, Onório firme e forte. De repente, naquele telefonema: frango com catupiry. Dona Valda. Dizer no interfone do 44 a senha “Valdinha”, porque morava sozinha, tinha medo. Onório penteou os cabelos, perfumou-se, deu dois tapinhas nas próprias bochechas e seguiu. Ela! “O senhor tem tempo para saborear um pedacinho?”. Todo. Uma vida inteira. Ele, manco. Ela, tradicional.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Arguo: desse jeito

Arguo: desse jeito, não! Marinelza, nem tchum. Parece alada, voando nas explicações à guisa de me fazer entender. A verdade é que essa verdade chegou tarde, e me pegou de cérebro ralo e estômago ocioso. Às labaredas destruo a casa que já fora obsessiva de amor por Marinelza, quando nem os santos desconfiavam. Aqueles garbosos algarismos que lhe cedia para a correnteza cotidiana viraram clarão. Nem a manteiga, que às vezes ensopava o pão nas noites mais gastronômicas, vaga pela geladeira. Marinelza deu conta de acabar com tudo. Não me faça isso, deixe daquilo. E eu, que julgava as regras grotescas sinal de compaixão estável... Que obstrui trilhas de sucesso, por Marinelza. Até as páginas do dicionário ela usou pra se limpar, me deixando sem palavras. Grossa.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Um ponto preto

Um ponto preto era a referência. Na pele. Haveria de ser encontrado nas costas, mas não. Apenas cinzas pintas espalhadas aqui e ali. Umas marrons escuras. O rodopio da procura pareceu passo de dança larga, observada a binóculos. Às vezes, microscópios, quando dúvidas surgiam: se pretos, se só escuros? Estranho não ser encontrado o que havia sem dúvida. Fora prescrição labiríntica de um mapa de tesouro. No ponto haveria a senha. Algo como uma letra composta de minúsculos sulcos da pele. Quem sabe um traço tanto maior na vertical. Outro no topo, horizontal. Um menor, também assim, saindo do meio do maior. Espécie de efe, que talvez fosse a fórmula da felicidade.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Faltavam doze

Faltavam doze minutos. O Conselho Superior declarou a banheira cheia, por todos os lados. No entretenimento da plebe é preciso que haja abundância, sempre. O membro superior cuidou pessoalmente para que a água não transbordasse. “É preciso evitar o desperdício”, sentenciou. Às raias do deslumbre, a primeira dama deu de cotovelo no prefeito: “tá vendo? É melhor do que torneio de xadrez, sua múmia!”. O hálito do primeiro afetava as plantas do entorno, mas descortinaram o palco. A plateia expandiu. Só então o carrasco lançou a na água o mendigo Valdemar, o tal do hálito, e vetustas damas se puseram a esfregá-lo, com devidas luvas anticépticas. “Se na Bahia lavam escadas, essa lei da lavagem dos pedintes se tornará tradição”, observou o vereador, autor do projeto, segundo disse sua assessoria de imprensa à mídia.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Recheou de insanidade

Recheou de insanidade sua obra de arte. Havia moscas e tenebrosos insetos dispostos a dialogarem com as pessoas. Não fiquei até o final, para ver comprender o êxito do diálogo. O pernilongo parecia chorar. A barata buscava, quem sabe, uma metamorfose capaz de torná-la humana. O escaravelho, choramingas, mexia o narigão numa conduta que prenunciar o rompimento da barreira de espuma de barbear que os cercava no centro da mesa, ou da arte pela arte. Sem um bom tubo de inseticida não sou ninguém nessas performances...

domingo, 10 de junho de 2012

Isso não era

Isso não era coisa de Shakespeare. Zezão se vingou da morte do pai quando executou o tio, mas mãe, coitada, era mesmo uma perdida. Nem mesmo o tio havia mandado matar o irmão, só porque tivera um caso, lá, com a cunhada. Zezão era um passado! Entrou no vício ainda novinho. Depois começou a ver fantasmas, ouvir vozes, essas coisas. Apelidado de Chucha, as vizinhas dizem que sofreu abusos na infância, mas abusou na adolescência e virou golpista, já adulto. O resto é silêncio.

sábado, 9 de junho de 2012

Aparência serena

Aparência serena, modos econômicos, gestos ponderados, mas os olhos... Neles, vacilantes como nuvens, entregava-se Elvira, que tanto fascínio exercia sobre homens ávidos e mulheres falsas. Por revelarem dolo ou inocência, os olhos jamais contiveram vícios ou virtudes, e os de Elvira viam sobre as possibilidades ímpares de enganarem alguém ou outrem. Independentes do humor da moça tratavam de explicitar, ao observador cético, aquele caráter invejoso ou hipócrita, mas eram poucos os céticos diante daquela beldade. Quando Alberto os furou, um a um, por conta da traição da amada Elvira, ainda restou à megera as qualidades físicas. Mas foi a pior cega da qual se tem notícia na Vila Boa Vista.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Ralo imenso

Ralo imenso aquele pelo qual escorriam as queixas de Hermes. De uma dor nos fios dos cabelos ao golpe que sofrera do infame padeiro, no troco a menos um pão francês. Hermes contava que outros se apiedassem. Amargava a sorte de ter conseguido um bico na exposição de animais, onde limpava as obras dos bichos ou lavava as babas de bois e vacas, a fim de lhes embelezar as aparências. Nas horas de supostos ócios, virava-se cavando valas no cemitério público. “Não era muito, mas pagava a meia sola que precisava por no par de sapatos”. Hermes era um aluvião de
males, enfermidades e danos. Fastidioso como um pernilongo oculto na noite, logo recebeu da plebe a alcunha de “Apocalipse”. Que na grandeza de seus pensamentos insanos julgava um elogio, imaginando-se logo um cavaleiro imortal!

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Parecia uivar

Parecia uivar, sem abrir a boca. Procurava “uma dose violenta de qualquer coisa” capaz de lhe justificar as olheiras no formato de dois cds. Vestia apenas um calção esparrado, e aquele corpo esquálido sob a chuva, cruzando às tontas a pista de uma das mais movimentadas rodovias do lugar, produzia uma cena espectral através do vidro, cortada aos lapsos pelo movimento furioso do limpador de para-brisas. Era o inferno sem prumo, anunciavam as muitas luzes vermelhas de freios dos carros e caminhões, piscando aqui e ali, como se todos os motoristas fossem anjos dispostos a salvar aquela vida, num estranho e paradoxal balé para deixar de matá-la. As efêmeras paisagens de estradas são intrigantes, justamente porque nunca sabemos como elas terminam...

quarta-feira, 6 de junho de 2012

A dormir

A dormir, jazia. Fosse posto num vidro de formol e, quem sabe, ficaria exposto sem sinais de impertinências. Era portador de um sono sem fronteiras. Nenhuma ressonância ou hálito. Acordava como um passageiro de outro mundo, recém-desembarcado num planeta esquecido. A lógica própria, que então expressava, carente de pertinências, propunha um diálogo com seres invisíveis. Fosse lhe cobrado um sopro de coerência, e Sinval, com trejeitos fatalistas, repetia apenas: “vocês vão chegar lá, vocês vão chegar lá”...

terça-feira, 5 de junho de 2012

Por fim

Por fim, a orquestra de gatos tinha a regência de Silva. Exatamente um mês depois de disponibilizar o espírito para a falta de higiene. O dinheiro arrecadado no jogo de dardos, exímio atirador, lhe bancou a inicial criação de ovelhas e perdizes. Ocasião do surgimento do doentio amor pelos bichos. Não os trocava, nem os vendia, apenas os citava. Nas conversas de Silva havia o gracejo da perdiz Inês, as proezas da ovelha velha e uma sucessão de histórias sem fim, de certo fanatismo atávico tardio. Perdeu os bens e a compostura, mas detectava como ninguém o si bemol desafinado do gato malhado.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Só tinha olhos

Só tinha olhos para Estela, mas lhe faltavam os óculos, com os quais poderia enxergar com mais propriedade as crateras no caráter da mulher. Por amor, escapava-lhe a inveja que Estela sentia dele próprio, das pessoas próximas e até o cãozinho maltês – deste, somente porque podia dormir até a hora que bem entendesse. Pelos ouvidos voltados ao que ela dizia, sofria com as dissimulações chorosas que Estela usava, em aguda voz de falsete, sempre que queria arrancar-lhe dinheiro ou negociar com ele a felicidade. Triste é que ele, quase sempre cético, matemático e perspicaz, jamais fora um tolo, apenas ali agia como um apaixonado... sem fazer contas.

domingo, 3 de junho de 2012

Acabo de lembrar

Acabo de lembrar. Tivemos um papo no continente, antes do barco partir. Seria capaz de me lembrar, não fosse esse naufrágio. Ele falou qualquer coisa acerca do casco, um raspão, quando atropelou e matou o nadador solitário. Um amassado, ocorrido no monte gaivotas oleosas, depois daquele vazamento de petróleo. Mas debaixo desse cenho austero ele guarda o segredo, dá para perceber. Quer dizer, para supor. Perdeu a fala, após essa colisão o barquinho de turistas. Daqui a pouco chegará a polícia, para perguntar-lhe se tinha autorização para navegar. Pode apostar. Sempre existiu e sempre existirá gente xereta nesse mundo.

sábado, 2 de junho de 2012

Leu

Leu, depois queria ser plural como o universo. Teria sido melhor se lhe escondessem os livros. Quem sabe minoraria sua mania de grandeza? Mas, não. Estimularam o menino com muitas edições, até torná-lo contemplativo. Atordoado pelas metáforas, irônico como chuva de verão, não cabia mais naquela vila de gente simples e pensamentos anacolutos. Explicava belezas, corrigia sentimentos, perscrutava os “bons dias”. Querido, porque sim, mas odiado pela total carência de eufemismo, já mais para arrogante, cometeu o melhor gesto da vida quando partiu. Enfim, uma página virada.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Quis o quiosque

Quis o quiosque do canto, apontado por gestos, porque era mudo. Que monstro! Comentou a gerente do hotel, mas ele não ouviu – também era surdo. Bem que tentou pedir ovas de esturjão, para acompanhar o vinho. Pedido que resultou em resmungos, de ambas as partes. A gerente ofereceu-lhe um emplasto de erva-de-santa-maria, pensando em curar alguma torção na boca. Nenhuma perspectiva de entendimento. Entediado, aquele símbolo do silêncio abateu um pão de forma à reles manteiga. Pretensiosa, a gerente bem que julgou ter entendido tudo. Entusiasmou-se ao ponto de incluir em seu currículo o domínio de LIBRAS.