domingo, 31 de julho de 2011

Queria ter

Queria ter a bondade de revidar. Uma aferrolhada no fêmur direito ou uma mordedura na aurícula esquerda. Oriunda de você, a desforra seria mais do que merecida. Ora, onde estamos? A hecatombe que me lançou pelejou por anos com ações contínuas. Da falta de fartura ao excesso de ócio. Fui sempre lançado no quintal ao feitio de condenado, subjugado à ração parca ou ao calhamaço de restos daquilo que você não comia. Caiado, como o muro, vi-me encardir e senti meu cheiro de coisa ocre. Seu fosse um dobermann era o seu fim.

sábado, 30 de julho de 2011

Dispare o seu

Dispare o seu arcabouço no rumo indefinido, como sempre. Seus traços gerais merecem reconhecimento onde a crítica não seja lá muito acentuada. Vestida assim, Pedra Maria, provocaria olhares de desconsideração nessas mulheres ogras, de egoinchadismos esbaforidos e falas altas, agudas sempre. Não as vulnere, Pedra Maria. Comadres persas em tapetes giratórios são sempre assim, com um quê de fantasmagoria outro de bedelhos soltos nos gestos alheios. Você merece coisa melhor, Pedra Maria.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Impacto e pronto

Impacto e pronto. Já no céu, quando as flores fediam na terra, Horácio quis de Deus uma resposta, sem apresentar pergunta alguma. Só então se deu conta que dormia na rede, com torcicolos e falta de hábito. Depois da feijoada o melhor teria sido andar. Seco e sedento encharcou com água fresca a boca gosmenta, até calibrar um gole no estômago pesado. Rodou por ali e não havia prosa capaz de libertar-lhe o tédio. Afastou-se um pouco. Distância suficiente dos outros. Bocejou e desejou um sal de frutas. Jurou nunca mais comer nada que contivesse porco. Porco, pensou, com estranha identificação.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

As abissais

As abissais revelações no campo da produção de queijo orgânico seriam dadas naquela noite pelo doutor Pacheco. A vaca, nascida de parto natural, haveria de comer apenas capins nativos, sem trangenismos, mutantismos ou agrotóxicos. As mãos que fossem ordenhá-la seriam lavadas apenas com água da mina, sem cloro ou qualquer purificante. O processo da massa, com a mesma água, utilizaria somente tecidos de algodão puro para secagem, em formas de cascas de coco. Após a exposição, a degustação. Maravilhada, toda a platéia saiu dali para o banheiro: coletivismo diarréico.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Cabem todos

Cabem todos os tédios e todas as alegrias nessas crônicas minúsculas. Raivas e traições, encontros e rupturas, ciúmes e amores únicos. Mesmo com falta de jeito, entram ódios onde poderia haver doações, retornos nos caminhos só de ida, insensatez no posto da razão óbvia. Parece mágica das falsas ou fenômenos inexplicáveis. Belisco na futilidade, gargarejo de palavras ou miudezas expostas ao vento. Não são fábulas, mas alguém sempre paga o pato. São reais, com a inverossimilhança dos contos de fatos. E quase sempre acabam assim, sem mais nem menos.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Em nada

Em nada foi onde deu a escada, no projeto de algum arquiteto gozador. Mais que subir à Penha, ladeiras mineiras ou miseráveis contornos de morros cariocas, a proposta era uma vista do alto... que não havia. Vai ver imaginou-se Deus nas alturas, traçando atribulações para o caminho do paraíso. Disse o locador que foi incompetência mesmo, porque a planta previa a visão da mata. Não sei qual é o pior dos labirintos: aquele que leva à expectativa ou o que frustra. Certo é que de lá tudo que pude ver foram janelas padronizadas de edifícios ainda maiores, que subiam e sumiam no rumo do céu. Um desacorçoado desacordo. Falácia dos classificados.

sábado, 23 de julho de 2011

Idade pesa

Idade pesa! É inútil procurar sempre as pedras certas para pular o rio. As pedras, mesmo que fixas ao fundo arenoso sob a água, mudam. Elas, propriamente, não, mas a elasticidade dos nossos passos. Furtam nossos planos de crianças. A princesa me desculpe, mas não enfrentarei mais dragão nenhum por sua simples beleza. Nem vem com esconde-esconde que não te acho, a rua oculta é longa demais e prefiro manter-me na casa secreta. Na ilha do tesouro só cabem meus sonhos, desertos de desejos ideais. Ai, que dor nas juntas.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Orfeu

Orfeu levante-se e cante, senão o Sol o não aparece! Repetiu Maria o ofício anti-ócio que a obrigava todas as manhãs a despertar o marido para coexistir com a vida. Passou a ser o negócio que operava, de maneira a dar de comer aos seus. Dada, ela, à indolência, minorava o sacrifício sem o som do despertador, havia o sino de uma catedral nem tão próxima que lhe servia de alerta, quase inaudível, quase silencioso. Ele, então, punha-se à rua, mal pudesse com si próprio, pouco de vontade, pouco de gestos. Salvo os dias em que soubesse domingos, porque, então, a quietação iminente sempre lhe garantiria o nada e os acordes perfeitos para sua melodia. Feito o gosto, feito o mito.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Doravante

Doravante, a lei. Foi tão boa a paixão, tão instigante o convívio, mas a figura abominável que nos encurtou a razão merece essa querela. Veja, Ironildes, o pijama xadrez havia sido presente de minha tia Dorô. Das doze parcelas de nosso colchão você se lembra bem, tive que parar minha coleção de selos raros para pagá-lo. E aqueles sabonetinhos azuis que comprei do Carlão tinham um perfume supimpa. Ele garantiu que eram franceses, comprou numa daquelas lojas quentes do Paraguai, não foi na rua, não. Você nem fez conta, Ironildes! Aleijou minhas poupanças, entortou o pé direito da cabeceira de nossa cama e o abominável ainda fumava! Pensa que não senti o cheiro do mata ratos do execrável? Agora, cansei, Ironildes. Procure seus direitos, que os meus você já corrompeu mesmo.


quarta-feira, 20 de julho de 2011

Daria tempo

Daria tempo, se ele quisesse. Sempre foi bom no desvio. Não havia colher caída, à beira de tocar o chão, que ele não pegasse no ar. Esquivo até no caráter, duvido que lhe escaparia uma oportunidade ou um olhar alheio. Ah, ligeiro! Houvesse algo que jamais lhe faltou, seria o reflexo. Agora me lembro quando Juliana quis quebrar-lhe os óculos, tirou o rosto num instante, sem tempo pra moça. Uma onça ela estava. Sem chances. É por isso que não acredito no acaso. Dessa vez não foi homicídio praticado pelo atirador de facas, foi suicídio mesmo. Caso tivesse vontade de viver, Dario teria desviado daquela última lâmina.

sábado, 2 de julho de 2011

Fechada para descanso

Há dois anos e 82 dias, estas micro crônicas são publicadas regular, ininterrupta e diariamente. Somam 829 histórias estúpidas, por vezes incoerentes e, não raramente, banais. Pois bem, cansei!

Infelizmente para você, devo comunicar também que elas voltarão depois do dia 20 de julho de 2011, ou eventualmente, se o comichão for maior que a razão deste autor.

Sem qualquer espécie de gracejo recorrente, pretendo conhecer nos próximos dias o Museu do Holocausto, em Berlim. Mas irei também tomar um porre de absinto em Praga e, quem sabe, descobrir o verdadeiro local onde Mozart está enterrado, em Viena, Salzburg ou pelo caminho austríaco entre as duas cidades.

Será bom para mim... e, tenho certeza, ótimo para você, amado leitor.

Até já...

Depois debandou

Depois debandou... Foi clara sua intenção de deixar no ar aquela lacuna. Chegou chamando a si a atenção geral; se pelas vestes, pela música ou pelo conjunto não deu para saber. Vi a aglomeração e logo ouvi o som da cítara. Ele sabia que daria certo. Imagine? Uma cítara naquela salinha em L seria a conta para deixar vazio o outro lado da festa. O pulha do Pestana tinha essas coisas: fazia-se abalo sísmico e se transformava em traque de pouco estrondo. Maus lençóis só lhe cobriram na noite em que convidou Tábata para dormir em casa. Bom de lábia e péssimo com os lábios, pensou que tirava vantagem da morena com corpo de miss e jeito de donzela. Nem lacuna conseguiu deixar na vida daquela devassa...

sexta-feira, 1 de julho de 2011

À tardinha destoou

À tardinha destoou do ocaso. À noite, sequelas amarelas criaram-lhe empecilho àquilo que seria propício ao baile. Dançou pálido, com passos ambíguos, que pareciam querer correr dali. O compromisso era um solo de sax, que se fazia belo, mas efêmero. Por certo, mais bandoneón, com suas notas proféticas de tristeza iminente.
- Mas que estado, Genivaldo? Lucilaine deixou escapar. Até tomá-lo aos goles, feitos às gotas de suor ardente. Virou cavaco, o Genivaldo. Chorinho onde houve jazz. Cachaça ao absinto. À madrugada teve o tom preciso. Então era de tudo um pouco. Da cor do êxtase se o julgarmos pelo excesso, mas já não lhe cabe nenhuma sentença. Subestime, não minimize. Genivaldo já vai dormir com uma felicidade radiante, entrecruzado com vastidão da alvorada.