quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Uma hora

Uma hora à esquerda. Na outra, posturas de burguês. Lagostins a Che Guevara, lagosta à moda Rosa de Luxemburgo. Lançou os búzios sobre o volume dois do Capital, esse mesmo, do Karl; a sorte lhe disse que o ideário sairia pela culatra. Fazendo continência, fez negócios à vida então levada aos ócios. Abaulou, sísmico, todas as armas disponíveis num redondo saco de viagem. Vendeu-as em euros e gostou da coisa. Armou o empreendimento armando guerrilhas em micro países: pequenas empresas, grandes negócios. Viu-se em bons lençóis, e gostou. Mas deixou de mexer com mortes, porque a vida é curta. Legalizou os bens, consolidou a empresa. Já nem pensa em votar na oposição, mas admite candidatar-se em partido de centro. Jamais se furtou em frustrar a aclamação popular, explicou enfim.


terça-feira, 30 de agosto de 2011

Azedo no gazebo

Azedo no gazebo, Osório não queria graça com Gorete. Da sala, ela reclamava incontinente do clima, em cima de um pufe de pele de onça e cheiro agridoce. Caso dissesse “vem pra cá”, Osório estaria fadado ao enfado. Calado, o coro em uníssono da mulher soava-lhe como uma caricatura do inferno. Fechasse o gazebo e seria ele quem não agüentaria o calor. Mantivesse-o aberto, e aquilo. Com precisão dos pássaros mergulhadores, Osório atirou o cinzeiro de vidro em direção à boca de Gorete. Cena de disposição à obtenção de um silêncio, sem outra intenção. Mas o sangue, os cacos, os dentes quebrados de Gorete acabaram por impressioná-lo um pouco, e Osório se levantou, foi à torneira da piscina e lavou o rosto. Depois seguiu plácido ao distrito mais próximo, mas registrar a queixa de violação de privacidade.


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Guarde a cilada

Guarde a cilada pro fim. Assim, primeiro a guloseima, palavra empenhada, risos fáceis de fazer. Aí cerveja, framboesa, cantos altos, contos de outrora, em um banho de bom humor e calda doce. Cabem as traquinagens, viagens, bom das coisas, passagens inesquecíveis. Nada de reprimendas, desvencilhos, acessos ou cóleras. Como diria aquele velho carrasco: antes de cortar a cabeça, afague-lhe os cabelos. Olhe pra cima, veja estrela, conte constelações, feito humano: único animal que olha para o céu. Passe as ausências explicando, os desencontros interpretando, os reveses justificando. Então, sim, já a amizade é forte e o amor é fato, pegue um avião para a Ilha de Páscoa. Com os rapa nui, plante a semente de uma figueira gigante, e aguarde-a crescer...



domingo, 28 de agosto de 2011

Fez-se de santo

Fez-se de santo nem pau oco havia. Estava na cozinha de dona Helena, sentado num canto. Incomodados que se cuidem, pensou maroto. O espaço de sua humildade dissimulada, porém, não cabia ali. Disse coitadinho que sofria dos nervos “pra menos”. Era, assim, uma tristeza de fazer dó, na amplitude máxima da judiação. Que havia um enjôo, diacho de uma propina irrecusável que seu cérebro mandava pra vida, sem medir ou abafar sofrimento. Palavra boa, sofrimento, pensou. Comparado aos outros era uma raspa, balela da existência, coisinha de fugacidade quieta. Dona Helena só ouvia, e de vez quando esgueirava os olhos, sabida. Ele, naquela conversinha, nivelava-se aos pés da mesa antiga de cedro. Era um besouro de bruços, cachorro manco, pato capenga. Só aqueles anos todos fizeram dona Helena compreender, na hora do “então vou indo”, porque já não havia nenhuma queijadinha sobre a mesa.


sábado, 27 de agosto de 2011

Quinto enguiço

Quinto enguiço em quanto tempo? Adveio a dúvida em Omário à pergunta do médico sobre sua perna falha. Aquele tempero vermelho ou milho verde, não sabia qual feijão ou carne assada demais, todo o cardápio associado ao ácido único: o úrico. Estava inclusive mais branco, mas róseo nas extremidades. Se por um erro ingeriu litros de destilados na fase oral, a medicina que desse um jeito. Foram sonhos e planos (de saúde, inclusive) pela qualidade do desdém às prescrições diagnosticadas. Que se contivesse já era radicalismo. O fumo macaio, a erva doce, cachaça das minas, gordura do leitão não poderiam nunca se responsabilizar pela sua solidão. Caso a perna não suportasse carregaria aquela alegria na lembrança.


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Quando estrebuchou

Quando estrebuchou ainda alertou sui generis: - A pipoca! Tudo foi muito rápido, disse Dirce. As três batidas à porta do apartamento, emprestaram uma impressão de toques derradeiros. Mera coincidência, concluiu Atílio. Qualquer querer aproximar sons com o fato é especulação, advertiu o tio Queirós. Debalde, Alaíde trouxe um balde com água e sal, diagnosticando queda de pressão. No atropelo observaram os pelos de Jacinto eriçados como agulhas, mal tocados pela agitação dos pés e das mãos. Debatia-se. A tentativa ética de Tica em chamar um médico tampouco trouxe paz àquela cena insana. Questão de minutos, segundos talvez e jazia Jacinto. “Oh”, “meu Deus”, “será que?”, “não pode ser”, “você tem certeza?”... Da cozinha se ergueu a fumaça negra. Envolvente, nefasta, sinistra, agourenta. A pipoca queimara.


quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Tautológico de muitas

Tautológico de muitas subidas para cima, Amadeu dizia que o elo de ligação de sua certeza absoluta com o fato real era o empréstimo temporário que fizera há anos atrás com um vereador da cidade. Para sua surpresa inesperada, embora tivesse planejado antecipadamente a quitação da dívida, dado o superávit positivo que obteria, a seu critério pessoal, logo na abertura inaugural do negócio, continuou a permanecer duro. “Possivelmente poderá ocorrer de eu comparecer em pessoa e gritar bem alto, demasiadamente excessivo àquele sujeito que faça uma escolha opcional: nos dias 8, 9 e 10, inclusive, juntamente com meu fraterno irmão daremos um acabamento final numa casa materna de nossa mãe, vamos dividir a grana em duas metades iguais, de sua livre escolha ele pode receber o que der e dar um acabamento final a essa história ou conviver junto com ela infinitamente para sempre”, sentenciou Amadeu, antes do “tenho dito!”.


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O sonho de fósforo

O sonho de fósforo de Edgard se traduzia em fagulha. Num riscar de olhos lá estava ele com outra visão. Não que fossem sempre fúteis. Sonhava, às vezes, pingar a Lua no olho esquerdo, para aliviara a ardência. Deixar crescer-lhe nos ouvidos um pé de manga ou aspirar aos ventos para impedir tempestades. Um Dali daqui. Foi pelo furo morto que fez na parede branca que viu nascer a oportunidade de tornar-se artista. Plástico, de preferência voltado à reciclagem, porque se engajou na luta pela preservação dos tupperwares usados. Edgard nasceu para ser pálido e esquálido, mas teve força de vontade para chegar à indecência.


terça-feira, 23 de agosto de 2011

O gato recortado

O gato recortado daquela revista, apesar de banal, deu certo ar de graça na naquela parede lisa e lambida do acesso àquela casa. Tendeu ao estável, quando havia um lapso, mas só melhorou um pouco. Aquela família, afinal, perante as cismas ou os enigmas, na certa desejaria colocar aquele elefante, à venda para jardins naquela casas de flores. Na falta é que foi o gato. O acesso àquele átrio, de fato, nada tinha a ver com aquilo. O fato é que posta, a estampa clareou o ranço naquilo que lhe foi possível: assim, sem vida. E embora aquilo não fosse coisa que se fizesse, conferiu certa beleza à vida, perante aquela porta óbvia. Outro trânsito, quem sabe um sonho besta de decoração. Daquela data pra cá a cola não soltou, e continua aguçando a visão de quem passa naquilo. Ta lá o gato, ou aquilo outro. Quem saberá?


segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Tinha honra

Tinha honra de outra espécie. Visionária... seria. Não pela quietude ao tratamento de palerma, que lhe era conferido por Paula, nem pela pinta de nascença – oculta feito pérola, na concha ou no cofre da joalheria. Era, na verdade, espécie virtude ou talento ímpar para as boas ações. Nem sempre entendidos tal como praticados. Irineu lançava às águas do rio todos os brinquedos eletrônicos que surrupiava das crianças. Flagrado uma vez na insensata conduta, disse que só assim não haveria estímulo à inveja nas futuras gerações. Pouco dado às fábulas, o padeiro que o pegou no gesto contou à cidade o hábito de Irineu: imediatamente expulso de suas funções no parque infantil.



domingo, 21 de agosto de 2011

Eufemístico mimo

Eufemístico mimo foi o coldre de couro de jacaré que Prynciani Karla deu a Danil VM. Mandou fazê-lo com um conhecido, que atuava na área do Pantanal. Jacaré fresco, morto há coisa de uma semana, curtido artificialmente. Prynciani foi pessoalmente ao Mato Grosso fazer a encomenda: prestigiar o pedido. Danil VM, o noivo, achou o bonita a prenda, mas não gostou nem um pouco da viagem da mina àquelas bandas. “O que você deu pra ele, sua cachorra?”. Disse dinheiro e errou a opção. Pior foi a tentativa de consertar: disse pó. Azedou! Danil VM decidiu estrear o presente, sacando dele sua 765. Um, dois, três, quatro, cinco tiros na altura da cabeça de Prynciani. A amiga da moça, apavorada, disse que era mentira aquela história de Pantanal. Prynciani Karla já não disse mais nada, estirada no chão, feito jacaré abatido.

sábado, 20 de agosto de 2011

Morreu amora

Morreu amora, sem nunca chegar a fruta média: uma maçã, caqui, abacate que fosse. Morreu parafuso sem rosca ou arruela, orgasmo sem corpo, lição sem discípulo. Foi-se, assim, arraia, com a pressa do tubarão. Miserável, com fartura de sonhos. Indócil, com a doçura dos açúcares todos. Saiba também que se indispôs com a vida porque achou que não a merecia tão grande. Que a deixaria por não deixar legado em troca. Viu tantos já deixados, todos tão complexos, que um ou outro eventual que pudesse construir se constituiria banal demais. Então morreu desgosto, sem nunca ter sido descuido.


sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Leite ou açoite

Leite ou açoite: não há uma opção terceira. Porque a satisfação está em incutir o crescimento bom, saudável, ou o medo. Sem paciência ou remorso. Já pela manhã essa tormenta se instala na copa e pode chegar à sala, depende do grado. Se de bom, lácteo puro ou com chocolate, para lá. Se de mau, sala, onde vara de marmelo. Não há vitórias aparentes, nem derrotas consentidas, é costume. Hábito que agita o dia. Depois surge a peleja do arroz e feijão. Virá a sopa, à noite. E o menino cresce forte e sacudido, pronto para replicar as chibatadas na bunda de Freud.



quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Tive um problema

Tive um problema de estado com a palavra transbordar. Não que eu estivesse mais lamentável do que a nação ou que meu modo ser se expandisse ao ponto de se derramar. Foi diferente. Ao deixar escapar-me o conteúdo semântico da maldita, lancei fora das bordas a minha intenção de verter sentidos à alegria em que me encontrava naquele dado momento. Meu conjunto de condições físicas e morais; que transbordava contentamento; entornou frases, recortes e pensamentos aos ouvidos atentos da sala de jantar. Daí a dúvida pela utilização ou não da palavra excesso, naquele estado.


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

No dia em que

No dia em que desapareceu ninguém levou muito a sério. Às vezes sumia, às vezes não. As lágrimas demoraram uns dias, quando o habitual já não conseguia mais exercer nenhum poder sobre a explicação. Semearam-se dúvidas pelas bocas em bocas, delataram a solidão à polícia e estreitaram ouvidos para os sinais ou intrigas. Cuidaram bem dos exageros, levaram as crianças para passear. Não havia mínimos detalhes para revolver, nem vasilhas ou gavetas de pistas para perscrutar. Quando se deu a tese da amnésia! Boa para a dor de todos os destinatários daquele infortúnio. E infinitamente melhor do que a morte.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Por afinidade

Por afinidade, destoavam. Por atração, retraíam. As cargas d’água que levaram Maurício a ficar com Bia eram ignoradas, mas lá estavam, no mesmo saco de farinha. Cultos e até sabidos, provavelmente tinham as vistas turvas para o abissal desencontro que os separava, mesmo quando de mãos dadas. Não havia entradas com o pé direito, três toques na madeira ou terços que dessem jeito. Ele era assado, ela assim. Sorvete de pizza, brigadeiro de jiló. Dona Yolanda ainda não estava caduca quando vaticinou o óbvio: isso é estrupício. Mas foi o cego Ferreira quem chegou mais próximo da explicação àquela visão tosca do casal: é caricatura de ganância!

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Disse que mudou

Disse que mudou. Começou a sair daquele fim. Até aprendeu a dizer não, esquivar-se, trocar de calçada. Sua piedade extinguiu-se depois daquela sessão da tarde na qual passou o Homem-Aranha. Não sabia que teia, tiro ou tédio o transformara. Dependurou-se manso no encosto do sofá flácido, ameaçou a voar ou ir até a cozinha para tomar um copo com água. Desistiu dos dois e se deitou. Fechou os olhos para imaginar melhor possíveis aventuras no centro nervoso da metrópole. De prédio em prédio, céu em céu, suor em suor, e notou que, sim, suava. Foi a gota! Gritou bem sôfrego, para que ninguém lhe ouvisse: “Não dá mais para continuar passando a salsichas em lata!”. Num pulo foi ao banho, barbeou-se e encarou o mundo como jamais havia imaginado conseguir.

domingo, 14 de agosto de 2011

Outrora a aurora

Outrora a aurora havia com tempo e hora. Acreditava nas revelações dos mágicos, na desnutrição dos padeiros, ousadias de sacristãos, filigranas de tigres, frescor das hortaliças. Não havia dúvida, mesmo na descrença, discórdia na peleja ou gravidade nos problemas. Perfeito estúpido, cria porque sim. Dava gosto o desprezo à desconfiança. E o melhor era ser igual a todos no dever e modos. Fazer os olhares gêmeos, gemer às dores mútuas. Poucos se portavam de maneira a parecerem atribulados, prósperos de fardos e de diálogos que fugissem à utopia. A inutilidade era integral.

sábado, 13 de agosto de 2011

Viver de bem

Viver de bem-aventuranças e conselhos foi melhor a Chico do que a erudição e os conceitos. Jamais fora abstrato e, na sua solidez, boas mentes eram aquelas que se dependuram nas paredes, feito quadros figurativos, enquanto os bons livros não eram outros, se não os que pudessem calçar a mesa manquitola. Vagabundeava feito pomba urbana. Tomava aqui um cartão de visita do quase futuro patrão e ali uma saliva engolida, por não poder comprar o tal frango que assava girando. Comia nos velórios dos abastados e bebia os leites derramados pelos bêbados dispostos a lhe confidenciar carências. Jamais praguejou mulheres ou governos, seu desprezo compensava o Sol, que via nascer de novo todos os dias.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Mais feliz

Mais feliz no anseio da espera do que na chegada, João Adolfo não tinha latitudes nem longitudes quando podia aguardar. Parava e ficava. Ali, horas, não perdia a esperança. Tinha, sim, sempre fé, porque no fundo presumia que poderia contar com a realização de ver Guilhermina passar. A escolha aleatória das ruas era quase uma garantia do fracasso, que no íntimo buscava, dado o delicioso prazer de suspeitar a possibilidade da ocorrência. Guia do nada, pastor da expectativa, guardião obstinado da vigília ao abismo do despropósito, João Adolfo tem orgulho do que faz. Como um padeiro, quando sente o cheiro do pão quentinho, fruto de sua realização.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Prosaico feito

Prosaico feito um pum, Garibaldo levou seus rudimentos físicos e escassez cerebral para viver com Célia Dalva. Ela cumpria o papel, e nas horas vagas envolvia-se nos acasos. Tantos, e tão díspares, que Garibaldo achou por serventia arranjar-lhe um emprego de catadora de lixo reciclável. Mesmo com as juntas às dores, ela desdobrou-se na missão e, pelo mesmo farto acaso, encontrou naquele final de tarde, na sujidade do latão da padaria, um dente que parecia de ouro. Provou, não lhe servia na fresta à altura do canino direito, mas decidiu levá-lo ao cônjuge. De estalo além do susto, Garibaldo foi trocá-lo na relojoaria, e conseguiu um par de óculos usados. Com cara de abastado, nem se importou com o grau trocado. Magnânimo acariciou Célia Dalva no ouvido quando lhe buscou o rosto, mas não deixou de sentenciar definitivo: “a partir de hoje, mulher, você não precisa trabalhar mais!”.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Nunca soube

Nunca soube onde estava quando Deus fundou o mundo. Azar, fiquei pequeno no mundo. Foi ele mesmo, Deus, quem perguntou isso a Jó, também para enquadrá-lo como uma coisa mínima na vastidão do universo: Terra, planetas, galáxias e o marmitão aqui. E ter em mim todos os sonhos do mundo é auto notadamente ineficaz e desprezível na proporção dessa extensão. E daí? A quem interessa os sonhos de outrem? Para não esbanjar melancolia lia, escrevia às vezes, outras até sorria. Ações e especulações imediatas que jamais mudaram meu tamanho na fração que me coube, mas que davam conformidade à minúscula vida de meus pares.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Orquestrou pernilongos

Orquestrou pernilongos a zumbirem sobre Lia. Até então, tudo o que Jaime fazia era pela amada, mas não suportou aquele episódio sórdido de vê-la às mãos com o moço da funerária no velório da mãe. Cavou-lhe lombrigas na barriga, cisma na crista, importuno na pele. Só a metade do discurso ele disse antes de tomá-la on the rocks. Sem lambuja à indulgência, matou a pagã no peito e saiu da padaria. Jura que as abelhas na garganta não foi ele quem colocou, nem o piercing no mindinho ou praga no cérebro de couve-flor. Enervou o passo porque parecia que queriam alcançá-lo. Berrou com eco para apartar tormentas e foi só. A única injustiça cometida a si foi internar-se na psiquiatria; o resto são os outros que contam.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Deslizes lesaram

Deslizes lesaram as pernas de Edclayne, justo quando simularia um funk cancan na apresentação da UPP do morro. Ninguém foi convidado a deduzir, mas muitos se atreveram. Na retórica de Tia Belinha, aquilo era designo de moça mulher. Na expressão chula de Darlene, sina de piranha. No mexerico que subia e descia longas escadas, fora traição ao dono da boca, chefe do morro e foragido número um. Quando, enfim, pacificaram as vidas, a de Edclayne já guardava marcas demais.


domingo, 7 de agosto de 2011

Depois eu conto II

Depois eu conto. Antes, faz parte do juízo, por complacência, dizer que foi bom. Enfronhado nesses mirabolantes assuntos de economia, dívida externa e cotações de temas que absolutamente não me dizem respeito, apenas espero a hora de, Belinha e eu, afinarmos os egos nos dilemas sobre música cubana. Depois se convir vá lá, coto os preços em dólar, euro ou coroa tcheca. Certo que não penso em comprar, mas me comprazer do próprio espanto de achar caro aquilo que me é desprezível. E que passe a hora, a ausência ou a oportunidade. Essas paragens aceleram o tédio, aspiram pesares e eu já estou com um sono danado.


sábado, 6 de agosto de 2011

Fuxico por fim

Fuxico por fim. Houve um começo, que significou olhares e gosto pelo vinho. Depois, a festa era um rabisco, jamais um texto. As bocas diziam aquilo que os corações não sentiam, ao peso de uma Lua cheia e à audição de estalares: lá dos gravetos da fogueira iluminada. Fez-se tarde, tarde demais para retroceder ao ovo, então estalado também, estrelado por acaso. Aí cada qual se pos em prumo, anularam zeros, limparam batons, extraíram maquiagens. Quase um festim licencioso, luau animal, fundamentado em poucos sólidos. Caso aquela atriz tivesse ficado com o magnata todos teriam, ninguém teria notado, alguns sorririam ou chorariam. Foi intriga indiscutível, mas saiu na primeira página.


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Do efeito

Do efeito até a causa nem se passara uma hora. Nenhuma reticência àquela feijoada. Não padeceu de paio, linguiça marcou presença, carne seca engordurou o caldo, orelhas, focinhos e rabos esbaldaram-se no tacho repleto de feijão preto. A couve pingava óleo, farofa não fez desfeita e há que se convir que os cubos de laranja lima amenizaram a adiposidade generalizada. Cordato deixou-se persuadir, saraivou garfo nos dentes, mirabolou na quantidade e finalmente chegou ao êxtase atordoado que beirou a amnésia. Estava explicado aquele cheiro sucessivo e sonoro que emitia com breves hiatos, e que por sorte não se materializou ali mesmo... e nem passara uma hora.



quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Cercavam sem

Cercavam sem cavar um sulco que fosse. Feito feras, ali na fenda, em estado interessante de espera pelo aparecimento do ouro. Garimpeiros telepáticos, talvez fossem os antipáticos. A gente media aquele compasso de expectativa, só de olhos de esguelha, porque os sujeitos tinham cara de espuma, e modelá-los seria o mesmo que desfazê-los, mas então o que miravam tanto? A gente desconfiou que houvesse um assassinado no buraco, um negócio qualquer, estranho ou algo inexplicável. Até que saíram e fomos lá. A gente zelosa que só vendo. Não vimos nada. Uns fiozinhos de cabelos, que poderiam ser de criança ou de milho. Era indignação mesmo, aquilo que sentimos. Coisa mais sem pé nem cabeça.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Por que disperso

Por que disperso quando faltam palavras para enveredar por elas os personagens? Há sempre tanta fartura, com seus significados soltos. E esses tantos ócios? Todos feitos de pensamentos nulos ou contemplações avulsas? Bem postos, se transformariam em conformações sucintas: frases até. Um arrepio de ruína desloca a construção às vezes; deixa indícios de ideias inacabadas, rastros toscos de preguiça, distorções sem sinais ou signos. No vale dos dedos a simetria cessa e não digita. Mas o pior é suportar o exame do cérebro crítico, redundando “besta”, “besta”, “besta”, sem outro espaço ou harmonia.


terça-feira, 2 de agosto de 2011

Colocou o clássico

Colocou o clássico cd de peças fúnebres e arriscou dormir. Mal Mozart deu o intróito do “Réquiem”, acordou olhando os lados. Um medo às pressas confundiu-lhe a simulação de um suposto encontro com a morte. Citou-se frio para o destemido, mas não se auto convenceu. Contra gosto, pulou a faixa com um clique no controle remoto. Grieg soltou “Death of Ase from Peer Gynt”, e o cismático brinquedo se revelou temido. Aquela sombra por não saber qual quê. Uma indolência além da razão. Um significado das coisas como num filme rápido... e deu stop. Melhor um velho e bom rock and roll.