sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O hábito de desenhar

O hábito de desenhar anjos cumpria uma quarentena oculta. Um tempo a esmo, no qual parecia pensar através dos olhos das pessoas, quando conversava. E este quando era raro, pois quase não falava. Poliano calibrava a simetria das vistas alheias com a imaginação em asas. Teria trocado os anjos pelas gentes? Todos se indagaram, até surgir no homem um amuo súbito. Cara fechada, como se rugisse intimamente à tênue troca de olhares alheios. Então aquele artista de estranhos gestos passou a procurar soleiras. Sentava e rabiscava. Parecia um giz, mas era pincel branco aquilo que dançava em pelos dedos do doido. O indicador inscrevendo nas pedras, mármores ou tijolos o que as falas e olhares já não diziam. De porta em porta seguia obsessivo. De perto em perto alguém se aproximou de um dos traços. “São anjos!”. E Poliano ergueu-se súbito. Desembestou rua afora rumo ao arco de um céu que só via ao longe. Longe dali pouco vale dizer que já lhe viram. Ali, com sua sisudez ou anjos, nunca mais apareceu.

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