quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O hábito idólatra

O hábito idólatra que Heitor tinha era o de dizer preces à uma câmera Leica. Pelo muito que lhe fez, explicava fiel, expurgando tecnologias digitais, que se lhe impuseram os novos tempos. Tinha a máquina sobre um aparador de santos, furtado de um velho São Benedito da cozinha da avó. Nele, acendia velas e lamentava em orações os poucos amigos que se entristeceram por ela, no dia em que chegou à casa uma “Madame Megapixels” (como se referia à câmera digital da irmã). Na parede da sala, “as filhas da Leica” enchiam as vistas dos visitantes. Paisagens, panorâmicas, detalhes de gente, coisas, naturezas vivas e mortas. Nítidas ou propositadamente desfocadas aqui e ali. A dor de Heitor só foi maior no dia em que a faxineira deixou a Leica cair de seu altar. Heitor, de súbito, virou fervoroso ateu.

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