quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sempre o duelo

Sempre o duelo. Já não era mais uma diferença na essência, era na vida, mesmo. Estudante de Direito e coveiro do cemitério municipal, vivia o dilema entre uma coisa e outra, mas atenuava o sofrimento “É, senhores jurados, o réu precisa pagar as contas!”, costumava ironizar. Até que o morto do dia, era um inocente. Fora assassinado friamente, confundido com um vendedor de enciclopédias, acusado de estupro das clientes. O quintoanista ouviu as dores da área criminal, expressadas num choro de mãe. Ação indenizatória, pensou, entre uma pazada de terra e outra. Carregava as coroas de flores, enquanto escrevia mentalmente a petição. Entrelaçava o caixão, com os argumentos de defesa na cabeça. Baixava a esquife, com o cálculo das somas indenizatórias todas ajustadas. Antes que a família deixasse o cemitério, correu ao banheiro. Retirou as roupas sujas e meteu-se na beca. Correu até a saída do campo santo e, com cuidado, abordou a mãe do enterrado: “precisamos conversar, senhora. É preciso pagarem pelo fizeram ao seu filho”. A pobre mulher olhou-o, desconfiada. “Olha aqui, seu coveiro, meu plano mutuário cobre velório e enterro. O senhor que vá procurar outros mortos”...

Um comentário:

  1. HAHAHAHAHAHAHAHA.
    Se existem advogados de porta de cadeia, esse é um legítimo advogado de cova aberta.

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