domingo, 18 de outubro de 2009

Punha em ordem

Punha em ordem tudo o que a razão não conseguia dominar. Arrumou os livros de filosofia lado a lado, no rumo alfabético de autores. Entre Adorno e Zizek havia 126 centímetros de pensamentos. Odiava ser contrariado, assim como uma taça de cristal odeia cair no chão. E quantas palavras fantásticas utilizava!
Seu intelecto era tratado com canapés, licores e chás, mas não lhe eram assimiláveis as informações que recebia, que resultavam em agridoces arrotos verbais. Colecionou livros, filmes e CDs. Organizou saraus literários, onde lia poemas que julgava “inteligentes”, ainda que as palavras ditas saltitassem feito lebres em dia de caça à raposa.
Orlando Fontes e Figueira era um nome, enfim, associado à cultura, mas não contava com a língua de Bernadete, a doméstica de anos, que se enfureceu na entrada do terceiro mês de atraso salarial. Sabida, foi pomposa servir no recital que o patrão oferecia aos amigos aquela noite. E quando o anfitrião anunciava Nelson Meire, o pianista, ela ligou o toca-discos, e entregou a intimidade do dono da casa à restrita platéia de trinta pessoas: “Olha gente, não agüento mais ele escutando isso o dia inteiro”. Você não vale nada mais eu gosto de você, esgoelava a música que, de repente, tomou conta do salão.

Um comentário:

  1. Adorei! Por mais vasto que seja o repertório da nossa enciclopédia musical, quem já não se pegou cantando "chora me liga, implora meu beijo de novoooooooo" que atire a primeira pedra!! rsrs

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