terça-feira, 27 de outubro de 2009

Com o tempo

Com o tempo a resignação prevaleceu. No decurso dos anos arrotou coca-cola, melecou-se de ketchup, espirrou mostarda, mas já se livrara da pecha de cachorro-quente. Era, assim, um cão domesticado e frio, capaz de passear com a dona, fazer xixi no lugar certo e abanar o rabo, quando ela o chamava à mesa, para o jantar na hora certa.
Aquelas “carnes abundantes e já um bocado crepusculares” de Maria Rita o haviam retirado do banquete exótico de cachorras e cadelas, que era como a mulher se referia às escapadelas de Agnaldo, para os amores fortuitos, nos primeiros anos de vida em comum. Mas, nem todo o direito de errar dá licença à burrice. Ao acordar afoito, naquela madrugada que antecedia o ano novo, Agnaldo destruiu os chinelos de Maria Rita, com os dentes afiados. Cagou no tapete da sala e mijou no pé da geladeira. Abriu o velho Drurys, que servia de enfeite para as visitas, na prateleira do barzinho, e entornou meia garrafa num gole só. Fumou todos os cigarros proibidos. Sentou sujo no sofá e gritou o nome da mulher, que acordou assustada. Rosnando para ela, jurou, mostrando os dentes, que jamais tomaria a próxima vacina.

Nenhum comentário:

Postar um comentário