sábado, 27 de março de 2010

Com repulsivo

Com repulsivo carinho e uma incômoda atenção, Katyna não quis afastar-se do caixão do marido. Um arsenal de olhares a fustigava. Todos pareciam esperar por uma cena em 3D de aflição explícita. Todos intencionavam à hipótese que Katyna havia arrancado o pino de uma granada, que explodiria histórias para os restos de suas vidas. A viúva louca. A viúva em êxtase. A viúva rapisódica.
Como uma horda de vampiros, os presentes àquele velório queriam sugar a emoção da pobre até a última gota. Levar consigo um naco, parco que fosse, da tragédia alheia.
Com seu conhecido hábito de dizer as melhores coisas nos piores momentos (ou vice-versa), Katyna colocou suas mãos sobre as mãos cruzadas do morto e confessou, baixinho, embora todos a tivessem ouvido: “Agora, sim, Clodoaldo, terei confiança na fidelidade desse corpo!”.

Um comentário:

  1. Vigisanta Alaor. Como sempre nos surpreendendo com os finais...
    Parabéns, admiro muito seus textos e como v os escreve.
    Abraço.

    Ps. No meu blog, no post do Logorama, clica lá que você vê o filme.
    Abraço.

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