sexta-feira, 5 de março de 2010

Empombado com Kafka

Empombado com Kafka, rasgou o livro na frente da platéia, como se sofresse ali a metamorfose de palestrante a estúpido, com fala barata. Sempre modulou a voz num tom de auto-ajuda, um gutural imperioso, assim, um diabo de um porta-voz do definitivo.
Não contava, porém, com aquela audiência. Estranhamente, os presentes haviam lido a obra kafkaniana. Do moço moreno alto, da terceira fileira, começaram a sair as primeiras hastes, que serpenteavam no ar, tocando a face do conferencista. Logo outras hastes brotaram na obesa senhora da segunda fileira. E outras, muitas, todos os presentes envolveram o profanador de livros, com inúmeras hastes que lhes cresceram às testas. Antenas de insetos; se sabe lá qual. Ajustaram às bordoadas a face do homem aos picotes do livro. Obrigaram-no, por sinais e tabefes, a comer os pedaços do papel letrado, página a página, palavra a palavra, até que ficasse verde, sem fôlego. Então retornaram todos à condição humana, com o ar displicente daqueles que nunca presenciaram nenhum fato estranho.

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