Os lábios erguiam e baixavam, como dois agressores da barba. Era dado às coisas do esoterismo doméstico. Lia a vida na borra do café; previa mudanças pelo caminho das formigas; garfo caído era visita de homem, se garfinho de sobremesa, de menino. Até que a faca de carne foi ao chão, num descuido imperdoável. Procurados com atenção, os olhos dele podiam ser vistos como duas luas flutuando numa atmosfera insegura. E agora? Fez o riscado em cruz com a própria faca, sobre o chão onde a apanhou. Via-se claro o seu desconforto, como a visão que temos de um relógio parado. Disse qualquer coisa de si para si mesmo. Um esconjuro, um pedido de calma ou uma reza, sabe-se lá. Começou a mover-se lentamente, com a faca ainda em punho, rumo a pia da cozinha. Sua expressão era de a humanidade toda era um enorme saco de demônios, cuja boca deveria estar sempre bem amarrada, para se evitar que ela o atacasse. Lavou o metal, enxugou-o com um pano branco e o guardou na gaveta. Depois virou-se, e sorriu, profetizando a salvação: “calma, gente, o equilíbrio foi retomado!”. Caminhou sereno rumo ao quintal, e teria, quem sabe, até assobiado de felicidade se, no caminho, não tivesse pisado no rabo de uma lagartixa esbranquiçada... Novos presságios!
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário