terça-feira, 24 de novembro de 2009

Não era mau

Não era mau, mas tornava difícil para si mesmo ser bom. Com o caráter provisoriamente definitivo, distribuía conselhos a quem não os pedia, dava veredictos a torto e a direito, sentenciava finais de histórias e falava como se toda a sabedoria do mundo lhe tivesse sido conferida, e a mais ninguém. Era, enfim, um chato ortodoxo, desses que não admitem brincadeiras a sua petulância.
Essa espécie de loucura, similar a das virgens que se julgam grávidas, fez de Percival um malquisto notório. Um antipatizado até pelos cachorros do bairro, que ele teimava em colocar para dentro de suas respectivas casas. A ruga de reflexão que carregava entre as suas sobrancelhas, porém, foi desfeita com a visão de Iolanda, a morena-jambo sagaz e sestrosa, que se mudara para lá havia pouco menos de uma semana. Com a leveza de um lutador de sumô, arriscou uns galanteios à moça, que lia sentada num banco da praça: “você deveria passar um protetor solar 30, para sua pele não sair nunca desse tom lindo que tem”. Indignada, a jovem o olhou da testa à ponta do sapato, diagnosticou a figura, e simulou uma conversa com uma amiga íntima: “na página 23 desse livro, a mocinha manda o cara ir à merda”...

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