domingo, 10 de maio de 2009

O amor afoito

O amor afoito o derrubou da bicicleta. Crepitava-lhe a paixão por Júlia, como pingos de chuva no fogo. Estalos esvaziavam sua vida real para, nas pausas irreais, lembrar-se dela, linda e versada. Foi numa dessas brevidades de tempo que não viu a pedra pontuda. Arranhou os braços, colidiu a boca, entornou a marmita. Pior, ficou sem o aro dianteiro.
No longo conserto da peça, ficou sem os proveitos da bunda de Júlia, a quem levava passear sentada de lado sobre o quadro do veículo, roçando-lhe com o joelho a cada pedalada. Foi ideia dela encaminhá-lo aos exercícios diários, para que não perdesse a forma. Mas na academia pobre da vila, ainda que ao lado de Júlia, não havia meio para externar sua paixão incontida. A estúpida bicicleta era ergométrica.

Um comentário:

  1. Caro Alaor,
    grandes pequenas crônicas. Adicionei aos favoritos. Um abraço.
    Sidnei

    ResponderExcluir