sábado, 16 de maio de 2009

Admiravelmente mesquinho

Admiravelmente mesquinho, gritou com Shirley para que parasse o banho. Assustada, ampla e culpada, a inquilina do minúsculo quarto, da pensão Sansão, pensou logo no desperdício da água única do planeta, e deu razão ao senhorio que, atento em seu canto, contava os giros do relógio medidor da conta de luz.
Condenado a ser serpente, o velho poupava a manteiga no pão matinal, acorrentava o freezer, escondia o doce, encobria os sorrisos e cifrava a alma. Lugar de locatário era na cama, preferencialmente dormindo, no único lençol que oferecia ao mês. Desconhecia os desígnios do universo e, numa dessas abaixadas para apanhar a casca da batata que caíra no chão, e que ele utilizaria na sopa da noite, travou a coluna vertebral. Shirley fez o gesto da mão estendida, mas arrependeu-se do intento. Puxou o braço até peito, cruzou-o ao outro, e comunicou-lhe inapreensível: - Vou mudar de pensão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário