domingo, 3 de maio de 2009

Tinha aquela coisa

Tinha aquela coisa que nasce e cresce. Não era saudade, uma roseira ou doenças provocadas pelo ciúme. Tinha algo de espreita. De memória do prazer.
Puxou a toalha um pouco mais pra direita, e fingiu afundar a cabeça no travesseiro de areia. Então olhou de esguelha. E pensou nos olhos oblíquos, no través, no soslaio, quase Machado de assim. Mas a sensação era a da areia aquecida. Enternecida pela satisfação de um calor que vinha de ambos os lados: dela, mineral, e de dentro dele, animal.
A moça não lhe via. Bronzeava-se ao lado sobre a toalha florida, roliça, com sensualidade displicente. Olhava o mar e lhe desprezava a vista. Ele lembrou da aparição transatlântica do verso da Menina da Ria, do tio e tia Caetano Veloso.
Propício à morte de vergonha, pensou puxar assunto. Quando se ajeitou à prosa sentiu que aquela coisa, assim crescida, seria uma indecência para um começo de diálogo.

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