sábado, 3 de abril de 2010

Parecia um cantor

Parecia um cantor de tango, um malandro antigo da Lapa falida, um escriturário dos anos 1930 ou tudo isso, ou nada disso. Um tempo que não havia era o que eu via. Um diabo de um ritmo sincopado no tremor das luzes intensas do shopping center em curto circuito. Um espectro de memórias fortuitas que parecia ter garçons aos seus serviços, caso cismasse tomar um chope. Também poderia representar Deus, se optasse por brincar de criar universos. Meu coração disparou com aquilo. Perdi o viço e as pernas afrouxaram quando percebi que aquela visão se aproximava, vinda de há muitos anos ou dali mesmo, em meios aos azulados estalos da energia elétrica nervosa. Que mangas compridas querem me abraçar assim? Que elegância anacrônica quer me colocar na moda? Que Hamlet extemporâneo quer ser ou não ser? Guardo em outra memória esse descuido da primeira memória. Outro lapso, penso, nessa lenta passagem pela vida lavrada. A gente vê cada coisa... inexistente!

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