sexta-feira, 23 de abril de 2010

O brilho

O brilho das premonições subiu aos olhos de monge morgado com os quais Benedito observou Célia Margarida. Maldisse seu hábito de dizer visões às pessoas, mas disse enfim a seco: ficarás careca! Ela riu pelo intestino. E deu para erguer os braços em compulsão, como se afogasse num riozinho raso. Benedito intimidou-se. Mais: atemorizou-se. Aquele exagero na mímica só poderia ser possessão de algum diabo. Virou-lhe o espelho, de maneira a transformar em esquerdo o lado direito de Célia Margarida. Um velho truque para tirar a lógica dos endemoninhados, mas muito eficaz também para confundir os possuidores. A moça agitou-se, grudou dedos nos cabelos e os puxou sem pena. Tufos e punhados eram arrancados à aflição. Às duras penas não sobrou um fio sobre o couro. Exausta e despedaçada, Célia Margarida tombou no ombro ditoso de Benedito. Sem cabelos, como veio ao mundo.

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