sábado, 4 de julho de 2009

Realizar aquilo

Realizar aquilo que deseja, nem podendo, alguém realiza. Claro que Alberto não falava de coisas materiais. “Desejos profundos”, meu caro, dizia, enquanto virava outra carta do tarô ao inseguro Camilo. “Imagine um católico ir visitar o Reino do Céu, assim, de repente. Você acha que algum toparia ir?”. Camilo nem piscava. Olhava a carta e olhava Alberto, a carta, Alberto, nos moldes sucessivos do olhar de cachorro vadio, quando cisma comer um bolo sobre a mesa e tem o dono do lado.
A hora estava cheia de alma. A sala, parca de luz, e de lucidez também, mas Camilo não enxergava, só mirava, tremendo do fígado à razão. “O Eremita ou Ermitão, arcano maior número nove”, o gutural Alberto trovejou. Camilo mijou pelos olhos. Balbuciou com sílabas lívidas: e-re-mi-ta é i-so-la-men-to, é é é a-fas-ta-men-to? “Éééé”, gritou Alberto. Camilo pulou da cadeira: então, tchau.
Correu sala afora, casa afora, rua afora, bairro afora, até quase perder o fôlego. Só parou na praça distante, e enquanto recuperava o ar, pensou descoordenado: pelo menos não paguei os vintão da consulta.

Um comentário:

  1. Molinho

    desejo que saiam as cartas do mundo, do sol e da roda da fortuna pras micro crônicas cretinas.

    Beijos
    dan Dan

    ResponderExcluir