sábado, 26 de junho de 2010

Uma sensação

Uma sensação de para quê tomou Elpídio. Aquela disputa pelo espaço urbano, travada entre um bando de agonizantes contra outro de famintos terminais, é o que deixa a vila perneta, cega ou maneta, concluía. Com a turvação que precede os assassinatos caminhou até as proximidades do barraco de Jeceara, sob o entardecer característico do lugar, que se parecia com uma flor carnívora. Sua sombra já não o seguia. O teria abandonado em algum dos trabalhos anteriores, sempre ao início das noites, ao som de onomatopéias, fonemas coléricos ou com ares de sedução. Algo nele o induzia a não pensar antes da obra em si, a ater-se apenas à técnica, para não se identificar como um soldado raso de uma guerra perdida. Conciliador do irreconciliável. Bateu três vezes na porta, pra dar sorte, Jeceara atendeu. Elpídio poderia dar-se ao luxo de dizer qualquer barbaridade com aquela faca na mão. Teria respostas para todas as dúvidas da moça marcada, mas não disse nada, cumpriu o ofício. Deu desconto ao mandante pela facilidade do serviço. A si, a auto-justificativa foi ainda mais leviana: “ela teria se suicidado mesmo”.

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