sábado, 12 de junho de 2010

Enrugada por afagos

Enrugada por afagos interesseiros, Dasdores quase nunca se expunha à luz do dia. As más línguas costumavam referir-se a ela como “peixe-remo”, menos porque arrastasse os barcos mais improváveis do que por tratar-se de um animal que vive nas profundezas. Rancor do passado é nome dessa desavença. Dasdores fora da época dos bordeis, quando se achou na vida. E participou, sempre como protagonista, da descendência dos luxuosos apartamentos às esquinas mal iluminadas. Trabalho duro, cada dia mais escasso. Seria a fome, não fosse Doutor Petrônio, antigo freguês que virou companheiro, cuja mulher nunca soube que durante os quarenta anos de Banco do Brasil sempre recebera uma cesta básica. “Tá aqui o macarrão, Dasdores!”, ele teatraliza todo o quinto dia útil de cada mês. As outras olham aquilo com desdém. Incorrigíveis, saem os dois de mãos dadas até a quitinete onde ela mora. A exceção do enlace é um beijo na boca, agora menos caloroso, mas fiel. Um trago de vinho, que já foi do Porto, e começa a inesquecível sessão das mãos dadas e de Roberto Carlos, que cantam juntos, porque conhecem todas as letras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário