quarta-feira, 22 de abril de 2009

Displicente como raios de luz

Displicente como raios de luz entre as folhas, Bento Vargas deixou cair sementes de um dos cinco gomos da carambola no trajeto de terra lodosa, que fazia de sua casa à roça. Chupava a fruta como quem comia estrelas, moldadas ao corte do canivete suíço, comprado a prestação no bar do Mané Picolo.
Do lodo do chão veio o torrão, após as chuvas de março e a seca fria de junho. Maria Clementina dançou com Chico Silva, no baile de Santo Antônio. Desfilou de braços dados com o verdureiro Jápa, na festa de São João. Mas o ódio se acirrou em Bento durante a quadrilha de São Pedro, quando juram tê-la visto beijando Orlando, ao primeiro grito de “olha a cobra”. É mentira, teriam retificado depois. Mas, tarde.
Ensandecido pelos muitos litros de quentão, Bento Vargas sumiu a esmo, estrada afora, falando coisas que pouca gente entendeu. Mudinhas minúsculas de pés de carambola permaneceram lá, às margens do caminho, pisoteados por suas dores cambaleantes. Sobreviveram, é verdade, e contam até que deram pra produzir outras estrelas.

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