segunda-feira, 27 de abril de 2009

Com a sorte de subúrbio

Com a sorte de subúrbio, comprou a motocicleta. Usada, mas inteirinha. Pega não pega, pegou gosto pelo vento. Brisa que lhe tocava a face, quando a moto pegava, após formosa guerra matinal. Colocou uma caixa para o capacete e Daiana na garupa. Imprimiu ritmos alterados ao velho motor: enfermiço nas subidas, prodigioso ladeira abaixo. Subia lento, descia rápido.
Daiana se atracou à barriga gorda. Bulinou partes fáceis de Edvelson. Beijou-lhe a nuca, no vão entre o capacete a gola da camisa. Empinou-se à vista dos olhares vãos, dos espectadores de calçada, mirados nos seus glúteos flácidos, sobre o fulgor do aço. Calça e cérebro funk. Queria mostrar o anjo. A divindade azul-caneta tatuada na base de sua coluna vertebral.
Edvelson, sangue quente, ardia de ódio, e desviava dos grupos de apreciadores angelicais. Acelerou mais, na descida.
Não lembro se naquela noite nos suicidamos, disse ao anjo-de-guarda que lhe pareceu nebuloso, trajando um uniforme do Corpo de Bombeiros.

Um comentário:

  1. Agora que li tudo, declaro que suas crônicas são coisa muito fina,
    um misto de Dalton com Dinorath. Podem ser mini mas jamais serão cretinas.
    Já vejo lá na frente um livrinho de bolso,
    com o texto e a ilustração abertos
    frente a frente em página dupla.
    Muito sucesso, Alaor.
    Abração, Geraldo Hasse

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