quarta-feira, 7 de julho de 2010

Descia a ladeira

Descia a ladeira com a compenetração de um José Saramago, quase memória. Havia as pedras centenárias e pisões marcados tortos pelos muitos traficantes de ouro, escravos e por escritores de muita fama. A mocinha caminhava reta em direção à ponte, rumo do mar. Olhava, rotineira, os barcos que esperavam gente para navegar por contratos. Via a vida cercada por certos encantos construídos à base da diversão alheia. Não parava, a mocinha. Seguia retilínea aquela mesma direção dos dias úteis, cujos inúteis, provavelmente, não foram tão retos assim. Tinha uma pressa implícita na alma. Espécie de vontade oculta de ver o tempo passar ainda mais ligeiro. Logo a sua vila Paraty estaria invadida por estrangeiros, milhares deles. Gente das letras e das artes, curiosos à procura do autor, textos convertidos em dólares ou euros. A mocinha tinha atrás si três crianças, que só não formavam a tal “escadinha” porque o mais alto era o mais próximo dela, no declive da ladeira. A distância os nivelava. Apesar dos muitos romances, a mocinha da aldeia possivelmente nunca lera nenhum. A prática é inimiga da teoria.
(Paraty, 7 de julho de 2010)

Um comentário:

  1. Meu caro, vejo que Paraty, além de Ubatuba, lhe inspira além do provável. Beijo procê, aqui da nossa Black River.

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