quarta-feira, 14 de julho de 2010

A que papel

A que papel horrível se presta, em casto senso de sonso, o palerma do Adolfo. Nem notou que denunciava Estela, quando Ludolfo perguntou-lhe o paradeiro da mulher, guloso de desforra e sangue.
- Ela foi... ela foi... ela foi... ah, ao mercado! É, no mercado! Tergiversou Adolfo, com a inutilidade solerte dos caguetas contumazes e a fala dos palhaços em espetáculos ruins. Depois viu Ludolfo sair, com um embrulho mole e a alma em punho, para só voltar horas depois, abanando ao vento a toalha branca, que estampava em sangue traços da face de Estela, como um santo sudário impressionista. Adolfo dava corda no relógio da parede, mas parou atônito para olhar aquilo. Manhoso, mais ou menos, olhou o queixo, a boca, o nariz, orelhas e linhas verticais curvadas, que modelavam cabelos estampados na figura. Dissimulando o fascínio, perguntou solene a um Ludolfo transtornado: "Vai mandar emoldurar? Fica bonito, com guarnição cor-de-rosa. Estela gosta dessa cor e dá um ton sur ton que só com o tempo deixa de combinar...".

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