segunda-feira, 19 de julho de 2010

Depois vieram

Depois vieram os anjos. Que bem poderiam ser demônios ou sabe-se lá que sujeitos travestidos de trabalhadores, no quarto quase sempre solitário. Foram visões tão amplas e óbvias, que se tornaram pessoais, num final de vida na cama. “Fala pra esses homens pararem de mexer na cômoda”. Todos olhávamos. Todos não víamos ninguém. Inaptidão de nossas visões curtas, ante aquele conjunto de imagens consumido ao longo de quase cem anos. A avó via. Ciganos, saqueadores, gnomos húngaros, no adocicado sem sabor dos visitantes em exposição. Dilatou a fé, amontoou histórias, fingiu loucuras nunca antes realizadas. Uma centena de gavetas numeradas tremia num entusiasmo alucinado, com aflição ansiosa. Mexiam, mexiam em tudo de sua vida autônoma, arqueada por obsequiosas mãos alheias. Morrer é, definitivamente, lento demais para quem tem brio.

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