terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O guizo nas palavras

O guizo nas palavras de Jovita anunciava desgostos mal cicatrizados. Rosalvo, enfim, se apresentava. Exceto durante os oito anos na cadeia, nada parecia detê-lo. Sorria com toda a frieza permitida por seu rosto redondo. O pecado mortal morrera para ele há anos, e sua provisão interminável de lembranças nem dava conta do duplo assassinato cometido nos outros tempos. Jovita avisava visionária: “sua fábrica de maldades ainda está com a produção a pleno vapor. Vai arrumar jeito de me perder para sempre”. Ele ria, com o escárnio dos presunçosos. Ela desperdiçava firmeza na previsão.
Rosalvo saiu apressado. O ruidoso batido da porta soou como estampido comemorativo de uma estupidez iminente. Vingar-se a tiros do juiz que o condenara foi apenas uma imprudência, perto da barbaridade que cometeu com o promotor do caso e todos os que estavam em sua casa de campo. Jovita repete insana que Rosalvo morreu para ela. O cotidiano absorve as paixões vulgares. Ele continua desaparecido.

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