segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Depois do raio

Depois do raio os sonhos de Orlando adoeceram. A descarga nem lhe abrasou os desejos, mas passou a sentir constantes e inexistentes moscas que pousavam no canto de seus olhos, na saída do canal lacrimal e também na comissura dos lábios. Ficou desnutrido e andrajoso. Só o pó, ainda que a faísca não tivesse chegado às vias dos fatos.
Por uma coincidência idêntica conheceu Tosta nas ruas, na verdade Cláudia. O apelido ela só ganhou depois de expulsa da casa dos tios, e não foi sem motivo. Estava com os pais, quando a fatalidade se deu, também por um raio perdido. Órfã, levava o irmão à escola rural quando recebeu o segundo fulmíneo. Sozinha no mundo perdeu o juízo e os tios, que se recusaram ao risco de permanecerem ao lado dela.
O pavor à catástrofe uniu os dois corações partidos. Orlando vinha da direita, ela, na diagonal, mas uma eletricidade súbita fez com que suas mãos se juntassem para atravessarem a rua. Próton e Elétron. Adão e Eva. E o raio nunca mais caiu no mesmo lugar.

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