segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Não quis descrever

Não quis descrever o bode porque, quando o olhou bem, sentiu receio. Aquilo era a própria negação da bondade dos mamíferos. Um par de chifres, olheiras azuladas, orelhas em traço reto com os olhos e, o pior, uma barbicha satânica. Pediu à professora para falar de um bicho que ao menos andasse em manadas, e que não tivesse bagos tão enormes. Até de um touro falaria. Um urso ou cão sem dono, mas bode? Esse bicho parece não ter medo de nada. Isso assusta. Ainda que fosse obrigado a descrevê-lo, por imposição da mestra, jamais poderia dar-lhe as costas.
Essas visitas monitoradas de crianças urbanas às fazendas sempre acabam em traumas, marcas de arranha-gato, carrapicho nas calças, picadas de bicho estranho, febres e coceiras súbitas. À Alicinha coube falar da galinha, que apesar da cara de espanto não carrega aquele ódio oculto. É meio passada, a coitada. Mas do bode ele não falaria, não, depois nem dormiria. Já viu como ele disfarça, mas está sempre olhando a gente de viés? O diabo, amigo dele, que o carregue. E, se quiserem, que contem lá, juntos, seus ardis e mistérios.

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