segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Atravancou a catraca

Atravancou a catraca do ônibus por equívoco. Errara a condução. Com sua língua de igreja, como uma cantilena melodiosa, arrastou um “por favor, motorista, preciso descer”. Todo o padreco é viado assim? Protestou o obeso trocador, para quem quisesse ouvir e ver o jovem seminarista procurando, ansioso, a porta dos fundos do veículo, vestido de túnica cáqui com um quadradinho branco na gola. “Filho”, insistiu fastidioso o aspirante a padre, “peça àquele homem de Deus que pare essa coisa”. E já ouviu como resposta uma grossa gargalhada do gordo, que contava moedas: “ô Ticão, home-de-Deus, pare essa merda que o padre tá puto!”. Ele que se foda, retrucou o motorista, lá na frente, mesclando resmungos com o barulho ensurdecedor do motor.
Com a lepidez de um anjo, o seminarista saltou a catraca, deslizou ligeiro, desviando-se dos passageiros aglomerados, chegou ao motorista e, num gesto transtornado, puxou o freio de mão, parando o ônibus de supetão. Desceu a escada olhando feio para o condutor... “quem você pensa que é para contestar os designos de Deus?”.

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