quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Tinha a senha

Tinha a senha das auroras. Se adiava um pouco para chegar em casa era para não atravessar, insolente, o canto dos galos. Cocoricava simbolicamente para a paisagem que se enamorava à luz, apontando os desenhos das notas de uma canção do amanhecer. Poderia, sim, ser o efeito do álcool, tão presente quanto os matizes matinais, mas a sensação era de tão antigamente, e ele, tão nostálgico, que esqueceria as contas ou o dia do mês, mas jamais a letra de uma seresta.
Acusado de vagabundo, alcoólico, viciado, leviano, erradio ou ocioso, ouvia calado. Sabia-se um equilibrista capaz de não cair na sordidez alheia, na gesticulação do mundo ou na mágoa quase sempre infundada dos prudentes. Quando lhe insultavam, esperava anoitecer. Captava uma primeira dose em pleno vôo. Então se punha a cantarolar com os seus, a desvendar Américas, trocadilhar verdades, exorcizar enfados. Logo viria a aurora, lenta e reveladora.

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