quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Pousou manso

Pousou manso o rosto cheio de espinhas nos cabelos de Alma, como se dormisse dentro deles. Não existe contentamento sem proibições, pensou sereno, enquanto tentava inutilmente afastar as barras da grade que os separavam. Conhecera Alma no dia de visita, quando já cumpria a pena por estupro seguido de morte há três anos.
Era metalúrgico, de ombros largos, cabelo semelhante ao pelo das ovelhas, aloirados. Não se lembrava bem se, no dia do crime, atacara a moça com uma faca ou pedaço de madeira. Sabe que bebera um café preto e três cachaças, pagou e saiu da birosca, quando voltava da fábrica. Então um homem sério iria aceitar zombaria de cachorras-do-funk? Depois, se lembrava de uma sinistra calmaria. O teto da casa, idêntica a tantas, naquele conjunto habitacional girava único. A noite, estranhamente lisa e sem ruído, se quebrou com a porta, na ponta do pé de bota do policial nervoso. Levaram-no, perigoso, sem nunca ter ofendido ninguém.
Contou a Alma que, já rapazinho, quebrara o dedo do patrão numa desavença, o resto, disse-lhe várias vezes, é passado.

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