quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Os gestos ritualizados

Os gestos ritualizados de Margarida causam-me um horror definitivo. É sempre aquela mão que sobe à cabeça, como se a suposta dor pudesse deitar-se na palma e dormir nos dedos. Tem também aquele soluço tônico. Intercalado com a piscada dos olhos que balançam nas órbitas, como se acompanhassem o voo de um pernilongo à caça de sangue. A própria burocracia do sofrimento, a Margarida.
Pior quando dá pra falar de si como expressão da novidade, do bom gosto ou da alta personificação da criatividade. Já disseram que cada palavra tem seu próprio feitiço e, se trocarmos uma pela outra, a bruxaria desanda. Margarida, nem aí. Não percebe a ausência do todo e o esbanjamento do resto, enquanto fala. E como fala... uma tagarelice feliz. Sim, Margarida só consente trocar alguma dor por muita conversa, senão sofre.
Conto pra vocês bem baixinho, porque ela pode acordar, já deixei ali na sala a minha mochila de viagem. Antes que o pequeno monstro acorde, com sua lista de vulnerabilidades, vou sumir com a minha alma. Até o purgatório é melhor que esse inferno.

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