segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Cinza como o concreto

Cinza como o concreto do viaduto, a manhã se imaginou bucólica. Roubava do asfalto folhas secas, que corriam em filetes de água podre estimulados por garoas incertas e pelos vazamentos de atormentadas torneiras. Mas se sonhava paisagem verde, a manhã cinzenta. Escapamentos desregulados de veículos com tosse conferiam o tom sobre tom, contrastado apenas por aquelas rosas e lírios e palmas, na banca da florista triste, em que a manhã se mirava, espelhando-se, concebendo-se na vontade de ser primavera.
As aspirações daquela manhã voluntariosa quase reproduziam o sonho de Ubiratã de se mudar de vez para o campo. Trocar o sala-e-quarto por uma chácara possível, como na música antiga de viés hippie-cabeça. Assobiar ao sabiá a atender ao celular. E se o aniquilamento daquela cor da manhã, entre o preto e o branco, pudesse enfim resultar num desenho psicodélico, ele não teria dúvida: tomaria outro ácido ou plantaria sua horta de chicórias verdinhas, além de alguma alface.

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