quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Perpetuamente enlutado

Perpetuamente enlutado, o coração de Maulícia chorava gota a gota. Uma lembrança da pipoca, comida com Felisberto, um trago a mais ou beijo manso sobre a súbita linha reta de seus lábios desaparecidos. Aqui e ali as lembranças estacionavam nos instantes que, de tantos e tamanhos, já não deixavam vagas para as raras alegrias provisórias.
Leu Schopenhauer, mas não entendeu, e fez de Veronika decide morrer, paulocoelhamente, o seu livro de cabeceira. Foi a sorte. O alto a ajudou e Maulícia começou a enxergar de novo a vida que lhe era esquiva. Bebeu anos solares, com a sede de uma única tarde: a do encontro com Tobias. O personal trainer que contratou, para ter onde depositar seus demônios, a levou ao céu. Gay assumido, deu-lhe um plus na maquiagem, um upgrade nos cabelos, um visual em sintonia e disposição física invejável para correr, em oito minutos, de sua casa até o cemitério do centro, onde estava sepultado Felisberto. Na última visita, ao invés das flores e lamentações, Maulícia levou um bastão de borracha cor-de-rosa. Lançou-o sobre o túmulo e falou bem alto, para o outro mundo: “só volto aqui, Bertinho, quando você for lá em casa, me devolver esse bastão”.

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