quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Mais do que linda

Mais do que linda, Clarice sentia-se exuberante. Guardava na alma um noturno de Debussy. Nos olhos, as Valquírias, de Wagner. Solene por dentro, fogosa por fora. Vestiu a tanga e foi para o mar, dourar na pele as horas escuras do árduo estudo de piano erudito.
“Alô, mate. Alô, limão”, gritava o vendedor de chás, em ré maior. As ondas batiam sustenidas pelo vento cortante. A areia solfejava dodecafônica aos passos lentos de Fred, surfista e cantor de reggae, que vinha em sua direção. “Aí, belê?”, ele disse, pulando abertura, prólogo e atos dessa ópera salgada. Ela se assustou. Stravinsky. Aquele pássaro de fogo, sagração do verão, fagote enviesado e carregado de percussão não poderia subir assim, das conchas para seu coração, já em tempo rubato.
Disse um “belê” em si. Resposta em última nota àquele deus de boina mesclada, com crochês verdes, vermelhos e amarelos. “Mô, calor, né mina?”, ele balbuciou. Ela respirou fundo, olhou para a platéia e fechou o piano.

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