segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Adotada era como

Adotada era como se apresentava, sempre que alguém perguntava sobre seus pais. Ninguém sabia, mas era tão dissimulada quanto essas pessoas que tratam a vida como uma fórmula matemática. Casara com um médico recém formado, o que, na pequena cidade para onde se mudaram, lhe conferia um certo status, capaz de fazer com que as pessoas humildes do lugar a suportassem, apesar de seu pessimismo latente. Em todo o seu presente havia um futuro trágico, igualmente presente: “Em algum dia lindo como o de hoje eu estarei morta”, dizia, como a propor uma comoção súbita a cada diálogo.
A conduta, figurativamente levada aos maus fados e expressos infortúnios, fez com que o doutor Celsius, depois de suportar a esposa por anos e filhos, se cansasse daquele drama contínuo, pelo qual regiamente pagava em carros novos, viagens muitas e grifes dispendiosas, na condição de provedor. Trocou a chata pela exuberante Carla, enfermeira modesta e honrada, otimista das feridas ao câncer. Contam que a ex-dondoca enlouqueceu de vez. Dizia que se mataria nos próximos dez minutos, e foram horas de vigília, antes de internarem-na. Pelo prontuário da clínica toda a cidade ficou sabendo: ela não era filha adotiva, coisa nenhuma.

Um comentário:

  1. Fazia algum tempo que não aportava por aqui: esses dissabores que nos deixam insossos, rsss Mas hoje aportei e gostei de tudo que li. Beijo.

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