segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Cortar as perninhas

Cortar as perninhas das formigas, com a ponta da unha suja e remelada, era uma das diversões perversas de D.H.S.. Apoiava o indicador esquerdo nos “dois chifrinhos” da lava-pés e deixava o inseto espernear, até esticar a pata traseira: pronto. Gostava de ver a bichinha andar cocha, arrastando a bundinha, meio sem rumo. Chegava a rir, às vezes.
Tinha de cor o tamanho do Sol, que começava como uma estrela: brilhante e intensa, pela fresta do zinco do barraco. Depois, projetava-se ao lado do terceiro buraco, do quarto tijolo de oito furos, na parede oposta ao lugar por onde entrava, de cima para baixo. Ia descendo, descendo, até chegar no chão, ao lado de D.H.S., que esticava a palma da mão para recebê-lo na linha da vida. Com os grãos da terra do chão fazia bolinhas minúsculas, com a irregularidade que conseguia da força giratória entre o seu indicador o polegar, untados de cuspe. Às comia, às vezes.
Estranhou aquele dia em os homens fardados derrubaram a porta do barraco, foram a até ele e cortaram a corrente que prendia seu pé direito ao pé da mesa, com um alicate enorme. Já havia se acostumado a viver ali, acorrentado, sempre que a mãe saía, ainda escuro, para ir trabalhar.

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