quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Desconfiar de alguns

Desconfiar de alguns santos, e comentar com a avó apostólica, era o passatempo de Bira, em férias no campo. Com uma leveza artificialmente doce, assegurava à velha que um homem cheio de flechas, feito São Sebastião, alguma coisa deveria ter aprontado para merecê-las. Comparava São Tomé à própria idosa, para contrapor e denegrir o santo pela falta de fé. “A senhora vovó, não precisa ver para crer, não é?”.
O próprio São Judas, cujo Tadeu do sobrenome e o fato de ter sido outra pessoa, que não Iscariotes, era ignorado por Bira, virou alvo certeiro de suas zombarias miúdas: “com um nome desses, o cara só pode ser um traidor”. Às vezes elevava o nível, assegurando à coitada que o delírio do pecado só pode ser fruto de certas perturbações.
Fim de férias e os avós levavam Bira à estação ferroviária, quando a pick-up do avô sofreu uma pane sobre os trilhos, logo após a bifurcação das linhas. Pega, não pega e lá veio trem. A avó começou a pedir aos santos que evitassem o pior. A menos de quinze metros, subitamente, a locomotiva desviou do veículo, tomando os trilhos opostos. Lívido, Bira até ensaiou uma Salve Rainha. O avô piscou à mulher. A fé, às vezes, depende de manipulação. Como chavear previamente as linhas, para máquina mudar de trilhos.

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