sábado, 7 de agosto de 2010

Pastoso ainda

Pastoso ainda vá lá, trágico é que Francisco era gago. Insistia em manifestar tristes sílabas de alegria quando, delicadamente, com gestos de relojoeira, Amábile o emboscou ao tocar-lhe a boca. Psssiiiuu! Sibilou indulgente. Ele, só feição. Quem sabe ria, na fragilidade errada do viés que se sabia um chato. Piscou fosco e esperou que o dedo da amada lhe saísse dos lábios, impreciso, avermelhado, quase cúmplice. Então ela lhe falou “não fale”. Convém, ele pensou. Obrigado a tropeçar palavras agradeceu-a sem silêncio. Gesto de cabeça, curto. Amábile trocou o dedo pela boca, e beijou-lhe absorta na meditação do afeto. Francisco fez cara de cachorro benigno, cheio de frases improváveis saracoteando-lhe o cérebro. Diria então que a amava profundamente, mas ouviu outro “psssiiiuu!”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário