quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Ameaçou contar

Ameaçou contar. Cumplicidade no câncer não é vantagem nenhuma. Antes, se calasse. É demasiado óbvio ouvir revelações naquele estado. Pedi silêncio. Nem que fosse por esquisita solidariedade. Ele invejava minha discrição mórbida. Falou: “Narinha fez...”. Cortei: “não!”. Na minha dor não cabem mais os anacrônicos amores de Narinha, devo deixar espaço à morfina. Secar me é suficiente e sensato. Que se enxergasse o vizinho de cama! Pele e osso era o que era, nenhuma voz ou blasfêmia a mais. Recitasse Verlaine se quisesse. Sugeri canção de outono: “vou à-toa no ar mau que voa. Que importa? Vou pela vida, folha caída e morta”. Não quis! Queria afligir. Refletir sombras como se fossem luzes. Exibir ódios, talvez. Aqui, não. Por demais ausente eu não queria exaustões presentes. Tapei inclemente os ouvidos quando ele recomeçou: “Narin...”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário