sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Dedos anônimos


Dedos anônimos lhe mexeram a nuca. Um triste odor de árvores se levantou do jardim, mesclado com o agridoce cheiro de urina furtiva de criança. E ali não era cemintério nem nada que pudesse remeter a mistérios. O piado suave de pardais adormecidos mostrava a vida com seus baldes de sinais. Tinha a solidão também, mas acha que Marília iria se importar com ela? Só aqueles toques, e dedos, e nuca é que não se encaixavam bem, porque parada ali não via vultos. Julgou então que seria simples impressão ou a mão de Deus ou ciscos do ar ou um vento tão pontual que chegava a materializar-se. Marília nem sabia de fato se ali, parada, chegava a existir. Acho que não era ela, não era com ela, nem poderia acontecer aquilo. Quando acordou só estranhou a mecha aberta na nuca: coisas da imaginação ou do travesseiro com penas de ganso.
(Mongaguá-SP)

2 comentários:

  1. Marília, talvez, não se deu conta de estar no jardim de uma cidade, onde o nome significa Água Pegajosa e que outrora foi Terra dos Santos dos Milagres e Terra dos Padres. Muitos mistérios advindos do povo Tupi Guarani. Quem garante que não houve integração com o além?

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  2. E eu aqui, às 21 horas e 42 minutos lendo o seu fantástico texto.
    Talvez me inspire. O talvez não é pelos atributos da sua microcrônica, mas pelas tantas latas de cerveja que estou a entornar.
    Excelente Ano Novo para você e sua família.
    Abraço do baiano.

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