A microfonia infernizava Simão, que com as duas mãozinhas tapava os olhos, na esperança ingênua de fingir não existir. Era novo para um show de rock, extrato dos delírios dos pais no desejo de iniciá-lo pelo caminho certo da “música cabeça”. Era um sozinho junto aos tantos pululantes intactos, todos para ele adultos, que gritavam coisas desconexas, mas que pareciam fazer-lhes algum sentido. Era mil pedacinhos de informações imprecisas: beijos dos outros, bundas balançando, olhos vidrados e uns movimentos inabituais. Passam mal, pensou Simão aflito. Era o passeio que os pais prometeram o mês inteiro, a semana toda, as horas contadas que faltavam para começar aquilo. Puxou o pai pela calça, a mãe pela bata, mas não existia para aqueles dois. Aflito como o homem no palco que esgoelava umas coisas, Simão lacrimejou gritado e sentido, mas ninguém ali percebeu que seu bocão era uma metonímia do choro.
domingo, 19 de dezembro de 2010
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"uma metonímia do choro"
ResponderExcluire as micro crônicas continuam impagáveis - mas, quando sair o livro, eu compro (porque vai sair, tem que sair, pô!).
É pena eu não consiga ler aqui com a frequência mesma que escreve. Mas, vá lá, é melhor nos embriagarmos aos pouquinhos.
Grande abraço!