domingo, 14 de fevereiro de 2010

Atropelado, o casal

Atropelado, mas não muito machucado, o casal de mudos, sempre alegre, viu-se na tristeza. Como na promessa que ambos fizeram ao padre, em língua de sinais, por ocasião do casamento. Também constava que ambos estariam juntos na saúde e na doença, o que lhes pareceu certa redundância. Aflito, mesmo, ficou o policial encarregado da burocracia da ocorrência. Como as vítimas não falavam, não sabia como registrar o fato.
Nomes? Ummmmm. Endereço? Aummm. O mal da burocracia é que não admite imprevistos. O pobre soldado suava, esmurrava a mesa e lamentava a falta de sorte: “bem no meu plantão me aparece uma dessas?”. Com a inquietação das abelhas próximas às suas colméia, o homem pensou em prendê-los, por indigência, mas os coitados, afinal, eram os pacientes daquele pronto-socorro. O suplício durou até passar pela rua a Adélia que, para a alegria geral, falava e sabia a língua dos sinais. Detalhou cada necessária informação para o boletim de ocorrência, perguntando com gesto às vítimas. O policial exalava encantamento, quando se deu conta de outra questão de ordem burocrática. Quem havia prestado as informações? As vítimas ou Adélia, que ninguém nem conhecia, e não vira o atropelamento?

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